“Boas e más ideias vêm ambas da mesma fonte de especulação e experimentação.”
Shaun Tan, cineasta e artista australiano
Manhã de véspera de Natal. Estou na cozinha ajudando minha Chef predileta, que acumula funções de esposa, mãe e adestradora do Boris, filhote de Boxer, carinhosamente apelidado de “Perro Loco”. “Esta receita de couscous requer azeite de oliva e o nosso está no fim. Pega um no supermercado?”, ela me pede. “Lembra o Chef francês que disse couscous adôrra manteiga naquele vídeo?”, retruco eu, na esperança de não ter que sair de casa mais uma vez. “Era outra receita. Vai lá e pega.” Pronto. Decisão tomada e problema resolvido.
Já no supermercado, na frente da prateleira de óleos e azeites, vejo duas senhoras conversando. “Este azeite está muito barato. Vou levar algumas garrafas”, disse uma. “Você tem razão. O preço vai subir logo. Vou levar algumas também”. Elas estão praticando especulação, coisa que pode ser proibida no futuro próximo, dada a animosidade do governo com o mercado financeiro por conta da disparada do dólar. Deixei as duas finalizarem a conversa e a compra, fui lá e peguei mais azeite do que esperava quando saí de casa. Aquelas duas senhoras foram as minhas heroínas do dia, pois ao gastar seu próprio dinheiro tentando adivinhar preços futuros e lucrar com isto, elas estavam contribuindo para tornar o mundo melhor.
Explico. Todo mundo conhece a máxima de negócios que diz que o segredo do sucesso é comprar barato e vender caro. Em termos econômicos, isto significa pegar os bens onde eles têm baixo valor e levá-los para onde têm valor mais alto. É assim que se cria riqueza (ou valor), os bens são os mesmos, mas eles são alocados onde têm mais valor. Esta alocação pode ocorrer num instante de tempo, como, por exemplo, quando da enchente em Porto Alegre, que tornou água potável mais escassa e mais cara na cidade. Mercadores de água mineral compraram água onde era mais barato, em outras cidades ou estados, e venderam em Porto Alegre, onde era mais cara. Ao fazê-lo, lucraram com isto, mas levaram água para onde ela era mais escassa, o que aliviou e melhorou a vida de muita gente.
Pode-se também criar valor alocando os bens em diferentes períodos de tempo. Isto é o que especulação faz. Sabendo que um determinado bem ficará mais caro no futuro, vale a pena estocá-lo no presente para aumentar sua oferta no futuro, quando ele será mais caro. Em suma, especulação cria valor ao levar bens do período onde eles têm baixo valor para o futuro quando se espera que eles tenham valor mais elevado. As duas senhoras no supermercado, quando fizeram sua compra especulativa de azeite de oliva, fizeram exatamente isto. Elas contribuíram para que o sistema de preços funcione melhor, fazendo com que o supermercado precifique corretamente o azeite ao observar a queda rápida dos seus estoques, forçando o seu preço corrente para cima; e ao forçar preços futuros para baixo. Estas mudanças de preços geram alocações mais eficientes e criam valor, gerando maior bem estar e beneficiando a sociedade de forma geral.
“Sem especulação não há atividade econômica que vá além do presente imediato.”
Ludwig von Mises, economista
Especulação pode criar valor também sem sequer precisar realocar os bens ao longo do tempo. É o que acontece com contratos futuros. Pessoas diferentes podem ter expectativas diferentes sobre condições e preços futuros. Imagine que João acredite que a garrafa de azeite de oliva irá custar mais de R$50,00 em um mês, enquanto que Maria acredita que a garrafa irá custar menos. Se eles puderem escrever um contrato onde João compra azeite e Maria vende a R$50,00 em uma data futura, os dois podem lucrar se estiverem corretos em suas previsões. Suponha que Maria fez a previsão mais correta e o azeite é vendido a R$40,00 em um mês. Maria pode então comprar o azeite por R$40,00, entregá-lo a João, receber R$50,00 e embolsar a diferença de R$10,00. Na verdade, a maior parte dos contratos futuros é liquidada em dinheiro. Basta que João pague a Maria apenas os R$10,00 que ela embolsaria, evitando a transação de compra e venda de azeite. Isto ocorre porque a maioria dos especuladores em mercados tem informação sobre condições futuras, mas não tem a capacidade de comercializar e estocar os bens em questão.
O que é fundamental aqui é que, como especuladores ganham ou perdem seu próprio dinheiro, eles têm bons incentivos em tentar fazer a melhor previsão possível. Governos, por outro lado, têm incentivos piores para fazer previsões futuras, porque tipicamente o custo de suas decisões recai sobre terceiros, predominantemente os pagadores de impostos e a sociedade de forma geral.
A recente escalada do dólar, alcançando a taxa de R$6,26/US$ em dezoito de dezembro, representa bem a ideia de especulação desenvolvida aqui. O governo criticou a compra de dólares em mercados financeiros, acusando os participantes de mercado de estarem “especulando” contra o governo, enquanto que estes argumentaram que não se trata de especulação, mas de forma de proteger o valor dos ativos próprios e dos seus clientes. Esta discussão não contribui em nada para melhorar a qualidade da política econômica do governo, embora ela inunde as manchetes de jornais porque existe uma percepção generalizada na sociedade de que especulação é algo ruim.
O fato crucial é que o governo não consegue fazer políticas macroeconômicas adequadas, como gestão fiscal responsável que mantenha a dívida pública em patamares sustentáveis, e não tem também bons incentivos para prever adequadamente os resultados de suas ações. Participantes de mercado, por outro lado, têm melhores incentivos por “darem a cara a tapa” (skin in the game), o que significa que têm interesses pessoais e financeiros reais nas decisões de investimento e de alocação de recursos. Na prática, o governo especula que o valor do dólar deveria ser mais baixo do que a avaliação do mercado, e estas diferentes expectativas refletem tanto diferenças na qualidade de informação quanto no peso do custo de decisões erradas no governo e nos mercados. O que deveria ser considerado um fato normal da vida econômica, passou a ser considerado pelo governo como caso de polícia.
Quando saí do supermercado, fiquei pensando de onde as duas senhoras tiraram a ideia de que o preço do azeite iria subir. Notícias da mídia e das redes sociais? Tomaram esta decisão porque viram memes nas redes sociais? Por influência de amigos e conhecidos? Ou seriam elas analistas de mercados financeiros, especialistas em mercados cambiais ou avaliação de políticas macroeconômicas? De qualquer forma, só lamento não ter levado para casa algumas garrafas a mais de azeite de oliva.
3 Comentários
👏👏👏👏👏👏👏👏
Como sempre muito bom o artigo. Objetivo e elucidativo.
Ronald é craque, sou seu fã de carteirinha. Feliz ano novo caro mestre