No domingo, 17 de abril, celebra-se a Páscoa, que nas tradições cristãs é um feriado que faz parte da Paixão de Cristo, um ciclo de celebrações religiosas que começa com a Quaresma, que é um período de quarenta dias de jejum, orações e penitência, e se encerra na Semana Santa, com a Quinta-feira Santa, quando há a cerimônia do lava-pés e é celebrada a Missa da Ceia que homenageia a última ceia de Jesus Cristo com seus doze apóstolos, com a Sexta-feira Santa onde a crucificação de Jesus é lembrada e com o domingo de Páscoa, onde se celebra a ressurreição de Cristo que, conforme o Novo Testamento, ocorreu três dias após sua morte na cruz pelos Romanos.
O domingo de Páscoa é determinado em data móvel que cai no primeiro domingo após a primeira lua cheia depois do equinócio da primavera no hemisfério norte. A palavra Páscoa (em latim e em grego é Pascha) é derivada de Pessach, em hebraico, que é o nome da Páscoa judaica, onde se celebra o êxodo judeu do Egito ocorrido há aproximadamente 3.500 anos, conforme o Antigo Testamento. O Pessach judaico é uma festividade religiosa que dura sete dias e também é vinculada ao calendário lunar, pois a celebração começa na primeira lua cheia após o equinócio de primavera. Assim sendo, a Páscoa cristã pode ser considerada uma herança cultural e religiosa do judaísmo.
No que diz respeito à Pascoa, o cristianismo também herdou tradições pagãs da Europa. Presume-se que Easter, que é Páscoa em inglês, tenha origem na palavra Eostre, que era a deusa anglo-saxã da primavera e da fertilidade. O animal que representa esta deusa é o coelho, por causa das suas conhecidas capacidades de reprodução. Adicionalmente, nestas tradições pagãs o ovo representava nascimento e vida. E então, desta forma, o coelho e os ovos entraram na Páscoa cristã simbolizando a ressurreição de Cristo e a vida eterna. Esta influência improvável de ritos e tradições judaicas e pagãs possibilitou a criação da caça aos ovos da Páscoa nas celebrações cristãs, uma brincadeira infantil para o domingo com grande significado religioso e, pasmem, econômico.
Quando eu era criança, a caça aos ovos de Páscoa era um evento muito esperado. Às vezes a caça era em casa, onde minha mãe, tias e avós pintavam as cascas dos ovos de forma decorativa e os enchiam de doces. Eles eram então escondidos e nós crianças, irmãos e primos, tínhamos que encontrá-los e colecioná-los na cesta de cada um. Ou então a caça aos ovos era na escola dominical, quando o número de crianças era muito maior e era mais difícil de encher a cesta de ovos. Onde quer que fosse, era diversão garantida!
A questão é que até uma brincadeira infantil precisa de regras adequadas para que todas as crianças gostem e se beneficiem da interação que a atividade permite. E a regra era a seguinte: primeiro as crianças mais novas correm para encontrar os ovos e demais guloseimas, depois as crianças um pouco mais velhas e assim por diante. As crianças mais novas, por estarem física e cognitivamente menos desenvolvidas, tinham certa vantagem na largada, de forma que antes que as mais velhas começassem a caçar os ovos, elas já tinham alguns nas suas cestas. No final da corrida, todas conseguiam alguma guloseima e ninguém saía com a sua cesta vazia. O resultado final é que algumas cestas ficavam mais cheias do que as outras, mas de forma geral todas as crianças gostavam da brincadeira. Imagine agora se a regra fosse diferente: na largada da corrida pelos ovos, todas as crianças saem ao mesmo tempo. Não é difícil imaginar que as crianças mais velhas iriam encontrar e pegar a maior parte dos ovos e algumas crianças mais novas possivelmente não conseguiriam pegar nada. “Isto não é justo, ele pegou quase tudo sozinho”, poderia reclamar, chorando, a criança de quatro anos com sua cesta vazia, enquanto seu amiguinho de nove estava com a cesta transbordando. Os adultos poderiam intervir tirando alguns ovos de quem tem a cesta cheia e redistribuindo para quem tem menos, mas esta solução leva a mais problemas: “Isto não é justo, eu me esforcei mais e corri mais para encontrar os ovos”, diria o menino de nove anos. Adicionalmente, na próxima Páscoa, as crianças, lembrando-se daquela situação, poderiam pensar “não preciso me esforçar muito, se voltar com a cesta vazia ainda vou receber algo”, ou “não preciso me esforçar muito, se encontrar mais ovos do que os outros, os adultos vão me penalizar”. Permitir que as crianças mais novas corram antes torna o resultado final (a distribuição dos ovos nas cestas) menos desigual e mantém a brincadeira divertida, enquanto que a redistribuição de ovos pelos adultos provoca insatisfação e tira o estímulo de participação. Fica claro então que até mesmo a brincadeira da caça aos ovos de Páscoa depende da qualidade das regras.
Ocorre que esta é uma das mais importantes lições de economia para a vida em sociedade: a qualidade das regras de interação social é muito importante! A caça aos ovos de Páscoa é uma bela metáfora para a solução apropriada de inúmeros problemas sociais. Na grande maioria das vezes, é mais eficaz e justo buscar maior igualdade inicial (de oportunidades) do que forçar maior igualdade de resultados. Uma aplicação deste princípio aparece na educação, que é considerada um dos maiores equalizadores sociais que existem. Pessoas com maior nível educacional conseguem, em média, auferir maior renda; da mesma forma, acesso à educação de melhor qualidade também aumenta a renda das pessoas. Evidências empíricas mostram que o ensino brasileiro atual é de baixa qualidade e que a escolarização também é baixa. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA/OCDE), o Brasil aparece entre os piores – 55º/59º em Leitura, 69º/72º em Matemática, e 64º/67º em Ciências[1]. Da mesma forma, em termos de anos de escolaridade média de adultos o Brasil, com 7,8 anos, está bem abaixo dos países mais ricos (a Alemanha tem 14,7, os EUA 13,4 e a Suécia 12,4) e abaixo até mesmo de vários vizinhos latino-americanos (a Argentina tem 9,9, a Bolívia 8,9 e o Chile 10,3)[2]. As deficiências do sistema educacional estatal brasileiro, que limitam o acesso à educação de qualidade da grande maioria das crianças e adolescentes do país, sem sombra de dúvida comprometem sua capacidade futura de auferir renda e conquistar um futuro melhor, além de contribuir à grande desigualdade de renda que observamos.
Finalmente, outra aplicação do princípio de buscar melhor igualdade de oportunidades diz respeito ao funcionamento de mercados, onde a metáfora da caça aos ovos de Páscoa é perfeita. Mercados não são nada mais do que um processo de descoberta, a descoberta das necessidades de clientes, da melhor tecnologia, da inovação de produtos e de melhorias organizacionais. Como na caça aos ovos de Páscoa, a riqueza só irá aparecer se for descoberta. Ocorre que as sociedades prósperas estruturam as regras de convivência para dar os incentivos adequados à descoberta de mercado e à criação de riqueza. Neste quesito, o Brasil vai muito mal também. No índice liberdade econômica de 2022 da Heritage Foundation, que é uma medida da qualidade do ambiente de negócios, o país aparece na 133ª posição entre 177 países[3]. Um mau ambiente de negócios cria barreiras à entrada à atividade econômica e funciona como se na corrida dos ovos da Páscoa várias crianças fossem impedidas de participar, ou como se a redistribuição dos ovos fosse feita apenas para aquelas de cesta cheia que tivessem a simpatia dos adultos.
Provavelmente, as coisas mais importantes que aprendemos para levar uma vida próspera, pacífica e produtiva em sociedade, as aprendemos quando éramos crianças. Afinal, foi na nossa primeira ida ao Jardim de Infância que nossas mães nos ensinaram os fundamentos da boa vida em sociedade: “não bata nos colegas, não pegue as coisas deles sem consentimento e respeite todo mundo”. A caça aos ovos de Páscoa é um ótimo exemplo lúdico de como ensinar as crianças a construir e participar ativamente em um mundo melhor, ao prover regras adequadas de convivência que serão úteis também na vida adulta, regras estas perfeitamente compatíveis e aprimoráveis pelos ensinamentos de Cristo. Feliz Páscoa a todos!
[1] Fonte: COUTINHO, D. e C. SHIKIDA. Grandes Mestres fazem Grandes Diferenças? Millenium Papers. Disponível em https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/millenium-paper-grandes-mestres-fazem-grandes-diferencas.pdf. Acesso em: 07 abr. 2022. O artigo explora um canal adicional que contribui para a baixa qualidade do sistema de ensino brasileiro, que é a isonomia salarial entre bons e maus professores. A isonomia premia os maus e tira incentivos para melhor desempenho e qualidade de ensino.
[2] Fonte: Mean years of schooling. Our World in Data. Disponível em https://ourworldindata.org/grapher/mean-years-of-schooling. Acesso em: 07 abr. 2022.
[3] Fonte: 2022 Index of Economic Freedom. Heritage Foundation. Disponível em https://www.heritage.org/index/. Acesso em: 07 abr. 2022.