“A amizade nasce no momento em que uma pessoa diz a outra, “O quê! Você também? Eu pensei que era o único. ” (C.S. Lewis)
Descobri há poucos dias que precisarei fazer duas cirurgias em um curto espaço de tempo. Nada de grave, mas são duas. Duas internações. Duas anestesias. Duas recuperações. Para quem tem o meu histórico hospitalar isto soa como um pesadelo. Felizmente tenho o suporte incondicional da família e minha mãe sempre presente nos momentos desafiadores. O que eu não contava era com as amigas – no plural – que se dispuseram a estar ao meu lado pelo tempo que for necessário.
Afinal, o que é amizade?
Conceitos de amizade vêm lá de trás. Dizia Cícero em 44 a.C.: “O que é mais doce do que ter alguém com quem você pode ousar discutir qualquer coisa como se estivesse em comunhão consigo mesmo? Como poderia seu prazer em tempos de prosperidade ser tão grande se não tivéssemos quem dele se alegrasse tanto quanto nós mesmos ?” (Cícero, in De Amicitia).
A jornalista Carlin Flora em ‘Friendfluence: The Surprising Ways Friends Make Us Who We Are’ traz uma definição bem peculiar: “amizades são os relacionamentos sociais menos institucionalizados e mais voluntários que temos.” Segundo ela, “nossos amigos podem entrar e sair de nossos corações e calendários; eles podem ser o nosso ‘tudo’ ou apenas uma anomalia refrescante, um pequeno colorido em uma paisagem social movimentada. De natureza amorfa, a amizade preenche as lacunas deixadas por nossas personalidades, origens ou circunstâncias temporárias.” Li algumas vezes este conceito e não poderia concordar mais. Os amigos se adaptam às nossas necessidades e momentos, e nós as deles.
Como entendemos a amizade
Michel de Montaigne (1533-1592) – o primeiro grande ensaísta, cuja produção literária acredita-se ter sido motivada pela morte de seu melhor amigo, Étienne de La Boétie (1530-1563) – escreveu sobre ele: “eu não apenas conhecia sua mente tão bem quanto conhecia minha própria, mas eu teria me confiado a ele com maior segurança do que a mim mesmo.” Confiança é na verdade uma das regras mais fundamentais da amizade, mas não é a única.
Temos diferentes níveis de amizade, com diferentes tipos de pessoas, em diferentes momentos de nossas vidas. Quando somos jovens acreditamos no conceito de “melhor amigo”, à medida que amadurecemos, compreendemos que se abrirmos a mente e nos permitirmos, encontraremos o melhor em muitos amigos diferentes. Tendemos a achar que amizade é uma relação calcada em lealdade ou compatibilidade, no entanto se eu perguntar por que você se relaciona com determinada meia dúzia de pessoas, aposto que irá descrever as qualidades individuais de cada uma delas, como vocês se conheceram e a sensação de bem-estar que elas lhe causam quando estão juntas.
Tem gente que é boa companhia para sair, alguns são ótimos ouvintes, outros lhe desafiam a ser alguém cada vez melhor. Amigos têm características básicas, mas elas não são as mesmas. Sorte daquele que encontra tudo na mesma pessoa, mas não é a regra: cada amigo atende a uma necessidade diferente e suas particularidades é que nos vinculam.
Relações de amizade desempenham papel crucial em nossas vidas, mais do que nunca. O sociólogo Eric Klinenberg aponta que “mais pessoas vivem sozinhas agora do que em qualquer outro momento da história”. Portanto, se mais gente vive fora das estruturas familiares tradicionais, os amigos se tornam ainda mais importantes.
O que é amizade para mim?
Já vivi em muitos lugares, conheci muita gente, fiz muitos amigos ao longo da vida. Alguns eu conservo até hoje, outros ficaram pelo caminho. Com tantas mudanças, o elemento ‘tempo’ se fez preponderante porque a força mais básica e elementar que forma e mantém uma amizade é o tempo que se passa juntos e o meu costumava ser curto. Ainda que tempo e distância enfraqueçam qualquer relação, vínculos verdadeiros não se desfazem.
Amizades são flexíveis e se curvam para se ajustar à forma que nossas vidas precisam. Tive várias oportunidades de constatar o quão elástica pode ser a amizade, como ela pode se esticar para permitir longos silêncios, longa distância, como tudo pode voltar ao devido lugar quando reencontramos alguém que foi importante em um determinado momento. A amizade nem sempre tem que ser uma questão de presença, também pode ser sobre o amor que permanece e resiste à ausência. Reconexões se fazem possíveis porque o vínculo nunca deixou de existir, apesar do tempo e da distância.
Depois de ler tudo isso você deve estar pensando que eu sou uma ótima amiga, mas eu não sou. Eu tento ser. Jamais virei as costas quando alguém precisou de mim, pelo contrário, mas sou uma pessoa introspectiva, vivo muito no meu íntimo, em volta da minha família e admito não buscar os amigos como deveria e como gostaria. Faço o mea culpa.
Serei sempre grata a todos os que fazem ou já fizeram parte do meu círculo de amizades, onde quer que estejam. Seja qual for o tempo que durou aquela relação, certamente ajudou a moldar quem eu sou hoje. Acredito que verdadeiros amigos funcionam como um grande milagre, onde pessoas estão ligadas por um profundo vínculo de afeto que sempre criará espaço para reencontros e principalmente para o perdão, quando falharmos uns com as outros.
Estive em hospitais algumas vezes ao longo dos últimos anos pondo a prova a minha coragem e a minha fé. Voltarei daqui alguns dias ao lado da família e de grandes amigas para ter certeza que ela move montanhas!
8 Comentários
Simone muito lindo. É exatamente como penso. Em muitos casos, nossos amigos podem nos amar até mais do que um par afetivo. Os amigos estão conosco em todos os momentos, nas alegrias e nas angústias. Me sinto honrada em ser tua amiga, mesmo que não nos vejamos tanto quanto gostaria. Parabéns pela excelente coluna!!!
Simone, que texto lindo sobre amizade. Sua coluna está maravilhosa, sempre com assuntos interessantes e que nos dão alegria em ler. Parabéns! E obrigada por compartilhar seus sentimentos, suas ideias e momentos conosco.
Belíssima sua coluna! Não é fácil descrever esse sentimento tão forte e transcendente, você conseguiu!
Quando olho o meu momento atual e vejo amigos queridos de 50 anos ou mais, agradeço a Deus, afinal vencemos o tempo e a distância.
Cada vez sua coluna nos trás assuntos rotineiros, porém delicados de abordar. E você faz essa descrição tão normal, pois reflete a sua personalidade, autêntica, inteligente e corajosa. Tenho orgulho e prazer da sua amizade, já se foram alguns anos e com você compartilho meus momentos, com absoluta confiança. Sempre digo que amigos verdadeiros são uma extensão da família, e você é uma amiga/irmã. Amo muito!!! Parabéns pelo excelente texto!!
Amigaaaaa, simplesmente amei o texto. A forma como se comunica com seu público é leve sem deixar de ser profunda. Li e me vi neste teu texto, nossa amizade descrita de forma tão bonita. Parabéns!!!
Excelente sua abordagem do tema amizade. Uma verdadeira injeção de fortificantes para preservação de nossas amizades.
Oi Si
Sou boa amiga. Mas tenho ego sensível e ainda muito voluntarioso. Sou amiga que cuida, que procura, que a geografia e o tempo não distancia.
Costumo me dcepcionar com ingratidão e grosserias e mesquinhez. Aceito um pedido de desculpas com a maior facilidade, mas me afasto com a maior tranquilidade daqueles que notadamente não faz questão da amizade construída.
Mas amo meus amigos e amigas. Faço tudo o que posso no momento em que eles precisam de algo mais.
Sou feliz por tê-los em minha jornada.
Si, amiga de longa data, que a geografia nos distanciou apenas fisicamente. Sinto saudade das nossas longas conversas, degustando um vinho ou, uma cerveja e das nossas risadas.
Ainda bem que, através das redes sociais e aplicativos de mensagens, conseguimos manter contato. Sabes que tu moras no meu coração e te admiro como amiga, pelo teu caráter e pela tua sinceridade.
Parabéns pela tua coluna.
Boa sorte na vida, querida!
Beijo grande,
Jane