Crônica escrita pelo Coronel de Engenharia Higino Veiga Macedo, incentivado pela crônica “O invisível ficou visível”.
No fim de semana passado, minha mulher e eu resolvemos ir a uma pizzaria nova. Conhecer novo ambiente e experimentar nova opção de pizza. Como moramos a três quadras da praia, fomos caminhando, aproveitando a agradável noite de João Pessoa e sentindo a brisa do mar.
Estimulados pela fome e pela expectativa do cardápio novo e diferente, no trajeto conversávamos sobre qual sabor escolher.
O ambiente da nova pizzaria era acolhedor e confortável. Mas não fomos felizes na escolha do pedido.
Pensamos em uma coisa e o resultado entregue foi bem diferente do que imagináramos. A começar pelo tamanho: queríamos uma pizza tamanho médio, com seis pedaços; do tipo que queríamos só tinha grande, com oito.
Assim mesmo, arriscamo-nos a fazer o pedido; poderíamos levar a sobra pra casa. Não temos constrangimento em pedir para embalar e levar pra casa o que sobrou em restaurantes. Nem dizemos que é para o pet.
Como a qualidade da pizza deixou a desejar, sobrou a metade do pedido.
O vinho também não foi de nosso agrado. Bem alcoólico, sobrou na garrafa o equivalente a uma taça. Depois de pagar, não nos fizemos de rogados: pedimos que a pizza fosse embalada para viagem e alertamos que levaríamos também a garrafa do vinho.
Bem perto de casa, na esquina do edifício onde moramos, estava um mendigo revirando o lixo dos tambores do prédio. Um “reciclador”, nome pomposo para disfarçar sua condição de catador de lixo.
Ele carregava dois grandes sacos plásticos; um continha garrafas plásticas e outro, latas de cerveja amassadas.
Tenho o hábito de acordar cedo. Ao clarear do dia, lá pelas cinco e meia vou ao mar e nado por volta de 1.000 metros todos os dias. Por essa razão, conheço os mendigos mais assíduos da orla e aqueles que dormem na areia ou nas calçadas dos quiosques da orla. Esse mendigo era novo na paróquia.
Parei junto dele e dei um “boa noite” bem forte. Ele se assustou. Raridade alguém cumprimentar um mendigo com muito calor na voz.
Perguntei-lhe se tinha achado alguma coisa no lixo. Ele respondeu:
– O senhor sabe que não achei nada hoje! Até agora estou sem comer. O senhor tem algum trocado para eu poder comer alguma coisa?
Certamente, ele viu a embalagem da pizza na minha mão. Olhei a roupa maltrapilha do “reciclador”, olhei os seus pés com sandálias gastas e percebi que ele estava em dificuldade.
Olhei para seus olhos esbugalhados, talvez efeito de “crack”, talvez fome ou talvez o medo de levar um “não” acompanhado de esculacho. Sorri pra ele e ele sorriu de volta. Poucos dentes na boca: dois laterais, sem os zagueiros da frente; rosto escaveirado; pernas e braços esqueléticos; roupa esfarrapada. Percebi que ele estava bem pior do que notei no primeiro olhar.
Falei:
– Amigo, tenho aqui uns pedaços de pizza que comeria amanhã. Você aceita?
Ele quase pulou sobre a caixa da embalagem. Eu disse ainda:
– Sente aí e coma logo porque está ainda quente… se esfriar, o queijo vira uma borracha.
Ele acomodou a caixa com o cuidado de quem manuseia uma joia, sentou-se no meio fio e disse:
– Tem bastante… vou levar um pouco pra casa.
Aí entreguei a cereja do bolo:
– Tenho aqui na garrafa uma taça de vinho. Quer?
Ele me olhou com olhar de dúvida e sorriso de surpresa e disse:
– Oh, sorte!…
Deixei-o sozinho para que saboreasse o jantar à vontade ou que agisse como melhor lhe conviesse. Não quis perturbar tão solene ocasião. Talvez aquela fosse a sua única refeição do dia.
Dois dias depois eu o reencontrei… De longe, ele gritou: “a pizza estava boooooa!!!”
Lavei a alma: serviço completo – boa pizza regada com bom vinho para alguém que necessitava.
Cometi grave erro: não perguntei o seu nome.
Coronel Higino Veiga Macedo, natural de Terenos, MS, comandou o 7º Batalhão de Engenharia de Construção, Rio Branco, AC, reside atualmente em João Pessoa, PB.
4 Comentários
Bom dia meu amigo! Interessante como a postagem de uma atitude do bem faz com que outras pessoas se animem e contém suas experiências nesse campo. É gratificante ler esses relatos. Que se multipliquem e sirvam de bons exemplos. Forte abraço!
Às vezes, o que não damos tanto valor, por termos comparativos melhores, são verdadeiros deleites pra quem , no momento, não tem nada!!! Quão importante é estarmos atentos com quem cruzamos nas ruas, por vezes elas nos surpreendem, e então conseguimos ser melhores pessoas pra quem necessita ser enxergado!!!!
Delicioso foi ler essa crônica!! Obrigada Cel. Higino Veiga Macedo!!!
Os fortuitos encontro dessa caminhada que nos dão mais que ofertamos. 😄
Muito bom Cel Higino. O assunto é tocante e o desenvolvimento do relato muito agradável à leitura.