“How we spend our days is, of course, how we spend our lives.”
Annie Dillard
Sempre fui uma pessoa ativa. Passei boa parte da minha vida ocupada fazendo coisas, correndo de um lado para outro, permitindo que minhas energias se esvaíssem para todas as direções e nem sempre obtive os melhores resultados. A grande pergunta que permanece: como encontrar tempo para fazer tudo o que desejo?
A resposta simples e objetiva é uma só: nunca há tempo para tudo que desejamos realizar. Não podemos ter tudo e quanto mais rápido admitirmos este fato, fica mais fácil tocar adiante. O tempo é uma caixa que nunca se expande e o melhor que podemos fazer é encaixar ali o que pudermos, da melhor forma possível, o que só se torna viável quando conseguimos identificar o que realmente importa, o que nos impulsiona a seguir em frente.
Houve momentos em minha vida extremamente desafiadores. Lembro que me formei, casei, mudei de cidade, de trabalho, engravidei, iniciei curso de pós-graduação, com todas as consequências que essas mudanças acarretam, em um período muito curto. Um ano e meio, para ser mais precisa. Não me arrependo de nada, mas hoje percebo que foram coisas demais. Eu era uma novata em todos esses papéis e na minha cabeça (como boa virginiana) tinha que fazer tudo perfeitamente. Eu estava errada, porque isso é impossível.
Ainda hoje sou muito cobradora com relação a mim mesma, mas tento não permitir que o sono vá para o brejo por conta de alguma bobagem e nem surto porque a casa não está arrumada impecavelmente. Vivemos uma cultura que demanda performance máxima, o tempo todo e nem sempre conseguimos corresponder. O melhor que podemos fazer nem sempre é o suficiente e tendemos a nos cobrar caro por isso.
No processo de amenizar esse sentimento para não colapsar, entrei no universo da yoga. Meditar foi o primeiro grande passo para desacelerar e me conectar com o presente, com o que acontece aqui e agora. O segundo passo foi eleger algumas prioridades, meus valores centrais e entender sua importância naquele determinado momento.
É fácil apresentar uma lista de valores que soam bons e honrosos, mas é muito difícil falar, viver e respirar esses valores todos os dias. Não precisei de muita reflexão e refinamento até chegar aos que me guiam, como ter tempo para a minha família: seja qual for a rotina, virada no caos ou um pouco mais mansa como agora, preciso de tempo de qualidade com eles.
Meu filho é adulto, terminando a faculdade de Engenharia, e em tempos de agendas mais apertadas para nós dois, como antes da pandemia, tínhamos dia certo para almoçar juntos, às vezes em casa, às vezes em algum restaurante que ambos gostássemos. Era o nosso momento para botar a conversa em dia. Alimentar esse vínculo, sob qualquer circunstância, foi um grande acerto como mãe.
A parte mais desafiadora de viver em alinhamento com nossos valores é que somos obrigados a fazer escolhas o tempo todo. A boa notícia é que a própria convivência familiar, no caso, e o crescimento pessoal podem coexistir. Às vezes, as atividades refletem os dois ao mesmo tempo, como vários programas em família, mas na maioria das vezes isso não é possível e não tem problema. Percebi que nem tudo que é importante deve acontecer ao mesmo tempo. Tudo o que é importante não cabe em um dia, mas na maioria das vezes, se bem organizado, pode caber em uma semana.
Confesso que esse aprendizado – fazer escolhas – também veio a duras penas. Sendo alguém cheia de energia, costumava dizer “sim” em muitas situações, prontamente. Ao fazer isso eu me comprometia demais e apesar da boa intenção, não entreguei muitas vezes, fosse no trabalho ou nas minhas relações pessoais. Quando passei a refletir de verdade sobre o que era relevante, abrir mão de algo se tornou um processo mais fácil e automático.
Escrever é para mim uma tarefa difícil e desafiadora. Sou uma pessoa detalhista, preciso que várias coisas estejam em consonância antes de iniciar um projeto. A escrivaninha tem que estar organizada (na medida do possível) o celular longe do meu alcance, minhas anotações acessíveis e acima de tudo, preciso de silêncio. Nem música de fundo. Começar é sempre mais difícil, mas em um dado momento as ideias começam a fluir. Só não posso ser interrompida, senão vou levar um tempão para retomar do ponto que parei.
De todas as distrações que podem acontecer, duas são fatais: o café e dar uma “conferida” nas mensagens. Quantas vezes já disse para mim mesma: “vou começar assim que tomar um “espressinho”, ou “primeiro vou dar uma olhada no WhatsApp, caso haja algo urgente.” Nunca houve nada de urgente.
Nos distraímos com pequenos detalhes por diversas razões. O importante é aceitar que isso acontece e tentar lidar com esses gatilhos. Tenho café e água na minha mesa e o smartphone está desligado. Também sei que não estou lidando com a causa dessas distrações, mas com os sintomas. Todavia, vou deixar essa análise para algum especialista.
Sempre fui adepta a ideia de planejar a minha rotina e hoje existem diversos aplicativos com vastos recursos para organizar o cronograma. Isso não significa que as coisas acontecerão o tempo todo como programado, pois sempre haverão situações inesperadas.
Ter um cronograma organizado não significa que eu seja obcecada por produtividade. Longe disso! Não tenho aquela neura de ter tudo agendado, mas no geral, preciso de estrutura e disciplina para não perder o foco do que é mais importante. São tantas distrações no decorrer do dia que é muito fácil desviar do caminho fazendo pequenas coisas que não agregam em nada. Mas é ainda mais fácil esquecer de ter tempo para nós mesmos. A essência do planejamento, para mim, é estruturar uma forma saudável de vida para manter o equilíbrio e evitar desgastes desnecessários.
Li dia desses, uma frase do autor, especialista em gestão do tempo, Oliver Burkeman, em que ele nos apresenta uma dolorosa realidade, sob uma perspectiva pragmática e engraçada:
“A expectativa de vida humana média é absurdamente, terrivelmente, insultantemente curta. Aqui está uma maneira de colocar as coisas em perspectiva: os primeiros humanos modernos apareceram nas planícies da África há pelo menos 200.000 anos, e os cientistas estimam que a vida, de alguma forma, persistirá por mais 1,5 bilhão de anos ou mais, até que o calor intensificado do sol condene o último organismo à morte. Mas você? Supondo que você viva até os oitenta anos, terá cerca de quatro mil semanas.”
O tempo não é um recurso que devamos aprender a dominar. Pensar dessa maneira só nos fará sentir pressionados e impotentes. Gerenciar o tempo também não significa produtividade máxima, como ter toda a agenda fielmente cumpridas e toda a lista de tarefas executada. Gestão do tempo é conseguir aceitar que não podemos fazer tudo, que isso é infactível, mas podemos escolher o que é mais importante.
Devemos começar a pensar em como pretendemos gastar o que nos resta dessas quatro mil semanas. Quando olharmos para trás como foram os nossos dias, devemos nos reconhecer nessas ações, nos contentar com elas, nos perdoar pelo que não deu certo e estar em paz por termos agido de acordo com aquilo que valorizamos. Como gastamos os nossos dias é definitivamente como passamos a nossa vida.
5 Comentários
Fantástico seu texto. Leva à reflexão. Quanto mais eu lia mais queria ler. Parabéns, mil vezes parabéns.
Parabéns pelo artigo, me identifico com muitos pontos levantados, esse livro do Oliver Burkeman é muito, muito interessante!
Excelente!
Importante, leitura de fácil entendimento e gostosa.
Da, realmente, prazer em ler e uma ótima oportunidade para reflexão.
Parabéns!
Parabéns pelo excelente texto Simone. Adoro ler as suas colunas. Essa em especial tem tudo a ver com o que tenho tentado aprender nos últimos dois anos e meio: a gestão do tempo e do que é prioridade. Não é uma tarefa fácil. Mas, no meio do caos, é imprescindível reservarmos um tempo para nós. Ainda não aprendi a meditar, mas já consigo frequentar a academia com disciplina.
Simone, sempre arrasando na coluna, expressa bem o nosso cotidiano, me identifico muito com tudo. Parabéns, continue trazendo essas reflexões para nossa vida.