O amor sempre será o amor. Mudam as formas de manifestá-lo.
Nós, que passamos por mais de meio século de existência, costumamos nos lembrar dos anos sessentas com saudosismo, em razão de ter sido época romântica e inspirada por músicas também românticas da Jovem Guarda e da Bossa Nova. Não sem razão.
Trarei um caso verdadeiro (conheço os personagens) que retrata bem o romantismo do namoro e do amor daquela época.
Local: Belo Horizonte, onde vivia e namorava o casal Luciana e Vítor, ambos no vigor dos 17 ou 20 anos. Ele pilotava aviões de pequeno porte e, como uma das provas de amor, dava rasantes sobre a casa dela, para desespero do sogro – circunspecto e sério. Ela ficava dividida entre a alegria de ver o namorado fazendo acrobacias no avião e o olhar severo de reprovação do pai. Intimamente, o coração saltava de amor, júbilo e fantasia.
Certo dia, a família de Luciana viajou a passeio para Diamantina, distante cerca de 300 Km de Belo Horizonte, para visitar familiares que lá residiam. A viagem não duraria mais que uma semana. Vítor permaneceu em Belo Horizonte.
Necessário caracterizar aquela época para quem não a viveu. Nem todas as famílias tinham telefone. Pagava-se alto preço por uma linha telefônica – era artigo de luxo. Além disto, era difícil fazer ligações interurbanas (não existia DDD). Tinha que fazer o pedido da ligação para a telefonista e, por vezes, aguardava-se por duas, três horas ou mais para que se completasse a ligação. Nada semelhante à instantaneidade de hoje, quando se faz ligação telefônica internacional pelo celular.
Fora o telefone, o meio mais rápido de comunicação era o telegrama, transmitido pelos sinais do Código Morse. O telegrama era pago em função do número de palavras e, por isto, o texto costumava ser escrito sem verbos, sem artigos e sem palavras desnecessárias para que o custo ficasse menor. Dependendo do horário em que se postava o texto, o telegrama poderia chegar no mesmo dia (como o SEDEX de hoje); o mais comum era que fosse entregue no dia seguinte.
Pois bem, Luciana chegou a Diamantina e hospedou-se, com seu pai, sua mãe e suas irmãs na casa dos tios. Era uma festa o reencontro de familiares, ainda mais porque a família sempre foi unida e harmoniosa. Apesar de o coração dela haver ficado em Belo Horizonte, envolveu-se nas brincadeiras e nas alegrias do reencontro com primos e primas.
No dia seguinte à chegada em Diamantina, para surpresa de todos e dela própria, eis que Luciana recebeu um telegrama. Logo suspeitou que seria do Vítor, pois não havia mais ninguém de quem pudesse receber notícias. Entre surpresa e esperançosa, abriu o telegrama, que vinha fechado com um grampo.
O texto: “Cidade triste sem você. Vítor”.
Um dia longe de Belo Horizonte e já recebeu um telegrama saudoso e carinhoso dele. Enorme alegria! Viveu o dia com saudade, mas confortada pela carinhosa mensagem que recebera. Os passeios pelas serras de Diamantina foram mais alegres; a paisagem se lhe mostrava mais colorida; o céu, mais azul.
Passou-se o primeiro dia e, no amanhecer do segundo dia em que estava em Diamantina, recebeu outro telegrama. Desta vez, tinha certeza: era dele. Com as mãos trêmulas, abriu o telegrama, quase rasgando o papel, e leu o texto:
“Cidade continua triste sem você. Vítor”.
Desnecessário falar de sua emoção. Compartilhou a notícia com suas irmãs e primas mais chegadas apenas. Não sabia como seu severo pai encararia aqueles telegramas: se como excessos da juventude ou se prova de amor; se exageros do jovem piloto ou se grande demonstração de afeto pela filha. O fato é que a viagem de Luciana tornava-se mais suave e a saudade, mais amena.
Amanheceu o terceiro dia da viagem e Luciana, surpresa, recebeu mais um telegrama.
O texto: “Cidade mais triste ainda sem você. Vítor”.
Depois de envolver-se pelo carinho da mensagem e regozijar-se intimamente por tantas demonstrações de afeto, Luciana ficou a imaginar como seria o texto do telegrama do dia seguinte. Que mais poderia Vítor dizer? Como poderia ele manifestar a saudade que sentia e que tão bem manifestava nos telegramas: cidade triste; cidade continua triste; cidade mais triste ainda… Como estaria Belo Horizonte para ele depois de quatro dias de ausência dela? Os telegramas haviam se tornado parte de sua viagem; passaram a fazer parte de sua rotina em Diamantina e até mesmo serviam como alívio da saudade que sentia.
Ao terceiro dia, Luciana dormiu mal, na expectativa do telegrama que receberia no dia seguinte. Acordou cedo, tomou café e, ansiosa, ficou em frente da casa dos tios à espera do carteiro. Os amigos e primos sentaram-se para conversar com ela, mas os assuntos não lhe interessavam: mantinha o olhar fixo na rua por onde desceria o carteiro com nova mensagem.
O carteiro chegava com a mensagem por volta de 10 horas, mas eram 11 horas e nada do carteiro, nada de mensagem. Ainda assim, manteve-se atenta e de plantão. Os primos saíram para uma caminhada pela cidade, mas ela recusou o convite sob um pretexto qualquer e manteve-se de plantão em frente da casa. Meio-dia e nada. Começou a frustrar-se. Será que não receberia nenhuma mensagem no novo dia? Será que as saudades de Vítor haviam se acabado? Será que ele encontrou nova namorada que o consolou? A ansiedade e os ciúmes deturpam os pensamentos, turvam os sentimentos e trazem angústias e incertezas.
Ao meio-dia e quinze, finalmente a surpresa e o fim das angústias: eis que Vítor surge em seu carro. Três dias de saudades e de textos românticos e saudosos e, no quarto dia, ele foi pessoalmente encontrar-se com a amada para, juntos, matarem a saudade que ambos sentiam. Telegramas, textos, mensagens, nada disto era suficiente; ele foi pessoalmente encontrar-se com ela.
O tempo e a distância não arrefecem e nem diminuem o amor.
Pode ser que hoje ainda haja namorados que manifestem amor e carinho para suas namoradas pois, afinal, o amor e o romantismo serão sempre os mesmos. Mas esta história me marcou como demonstração do amor e do romantismo dos Anos Sessentas.