Quando o sol começa a se pôr depois das 18h30 em Porto Alegre, eu entro em pânico. Como se o meu humor e a luz do dia estivessem intrinsecamente ligados. É prenúncio de calor, da sensação de estar sendo lentamente cozida, ficar letárgica, sonolenta e suando sem parar. Esta semana fez 40 graus. Dispensa comentários.
Eu simplesmente detesto o verão. Detesto como realidade e como conceito.
Não bastassem todos os motivos clássicos que mencionei, existe ainda a obrigação social de fingir que tudo isso é maravilhoso. O problema com o verão não se resume apenas ao calor insuportável, mas a forma como ele exige que todos participem desse festival de desconforto.
Assumir que não gosto é uma opinião muito impopular. Se digo que prefiro ficar em ambiente fechado com ar-condicionado, já aparece alguém para questionar minha capacidade de aproveitar a vida e tentar mudar a perspectiva sobre essa estação que, para mim, mais parece um castigo. Mas não adianta.
Meu ranço é prosaico (o calor de fevereiro é como relaxar dentro de uma Airfryer), meu ranço é inútil (não escapo de vestir regatas e usar chinelinhos), meu ranço é contraditório (adoro piscina). Mas a principal razão pela qual assumo o ranço que tenho do verão é porque não me importo.
O argumento a favor do verão é que se trata da única estação do ano em que podemos relaxar e fazer o que quisermos. Porém, há uma rigidez na forma como o fazemos que mina toda a premissa. A busca pela diversão garantida pode parecer bastante opressiva.
Se você não quer ir à praia ou caminhar até uma piscina ou tomar um chimas na grama do Parcão (coisa de gaúcho de Porto Alegre), passa a impressão de mau humor, como se fosse uma pessoa azeda que simplesmente não sabe desfrutar dos prazeres da vida.
Por que devo me sentir rabugenta por recusar convites para lugares ao ar livre, abaixo de sol, quando posso ler um livro ou assistir a um filme na santa paz, dentro de casa? E com o “ar” ligado?
Roupas para enfrentar o calor trazem outras implicações. Elas tendem a ser curtas e deixar o corpo à mostra. Lembro de uma fase na juventude que engordei. Olhando retroativamente, nem foi tanto assim, mas para uma adolescente eu estava fora do padrão e a autoestima despencou. Ou seja, para participar dos programas de praia e piscina e fazer parte de um grupo (pertencer), eu precisava expor partes do meu corpo com as quais eu não me sentia confortável.
O verão amplia o espaço que você ocupa no mundo. Embora não fosse a melhor alternativa, era mais fácil desaparecer no fundo no inverno – quando se consegue esconder muitas coisas. Ainda podia usar moletom e me sentir à vontade.
Vamos falar de praia. Um conceito fascinante na teoria, um pesadelo na prática. Passo o verão em Balneário Camboriú, a 550 Km daqui. O trajeto até lá já é uma novela por conta do tráfego intenso de fim de ano. O sol implacável ao longo do caminho consegue me deixar arrependida antes mesmo de chegar. Areia de praia é aquela coisa invasiva – onipresente, grudando na pele, no cabelo, dentro da bolsa, aparecendo na sua casa uma semana depois como surpresa indesejada.
O mar? Frio demais nas praias aqui no Rio Grande Sul e sujo demais nas de Balneário Camboriú – prefiro a piscina do clube. Tudo isso enquanto você tenta parecer que está se divertindo, porque, afinal, “verão é a melhor época do ano”.
A grande ironia do verão é que ele vende a ideia de relaxamento, mas na verdade é a estação que mais exige esforço. Precisa sair, precisa aproveitar, precisa suar e sorrir ao mesmo tempo. É como um Natal prolongado, só que sem os presentes e com a pressão de estar feliz por três meses. Romantizamos tudo isso em julho, no auge do frio, mas você realmente sobreviveu aos últimos meses sem questionar uma única vez o que há de tão bom nisso tudo?
Eu nem sempre fui avessa ao verão. Adorava quando criança. Algumas de minhas memórias mais potentes são daquela época. Passávamos as férias em Guaratuba, litoral paranaense, e trago as lembranças no coração. Reencontrava os mesmos colegas de sempre, todo mundo na vizinhança se conhecia. Praia pela manhã, quilômetros de bicicleta à tarde e estava de volta antes de anoitecer. A única regra.
No início da adolescência vieram as festinhas de garagem para fechar com chave de ouro. Então as férias terminavam, voltávamos para a casa, para a escola, com a sensação inebriante da mais pura felicidade. Esse é outro grande problema. Como pode alguma coisa se comparar com os verões da nossa infância ou juventude? Como a despreocupação dos 50 anos pode ser comparada à despreocupação da adolescência?
Assim como apresento minha oposição ao verão, também quero oferecer algumas palavras de perspectiva. Ser adulto pode significar que não podemos relaxar como costumávamos. Com o passar dos anos, perdemos um pouco daquela magia, mas podemos determinar quando e onde encontraremos nossa diversão. Podemos tornar qualquer outra época do ano igualmente memorável.
Ninguém precisa fingir que gosta de algo só porque a maioria gosta. Não tem problema preferir bebida quente a tempo quente, cardigan a regata, o frio ao calor. Para você, que prefere ficar em casa no ar-condicionado, contando os dias para que o verão acabe, não se sinta culpado. O sol não vai fugir, ele dá a sua volta e sempre reaparece.
Que venha o outono!
6 Comentários
Si, dei risada com teu texto, consegui sentir a tua angústia, mas com um azedo engraçado. Eu amo o verão e se me permitires, posso te ajudar a ressignificar. Passei 50 dias em Santa Catarina e tive dias simplesmente fantásticos. Paisagens deslumbrantes, mar transparente e quente, natureza na sua forna mais cristalina. Como uma boa manezinha, aprendi por onde, como e quando andar pelas nossas praias, não para sofrer, mas para ser feliz. Peguei dias com uma brisa maravilhosa para ler muitos livros ao ar livre. Fui muito feliz. Um belo exemplo é a praia da Barra da Lagoa, que mantém todas as características dos últimos 30 anos, a mesma estrutura de casinhas, tudo igual. Voltei no tempo. A água perfeita! E por incrível que pareça, peguei muito pouco trânsito! Vamos ressignificar juntas no próximo verão! .
Que crônica deliciosa Si !! Leve, divertida e muito verdadeira. Você traduziu perfeitamente essa pressão social de “aproveitar” o verão, como se fosse um festival obrigatório de alegria e suor. E a comparação com a Airfryer? Genial! No fim, é um alívio lembrar que não há problema em preferir um bom livro no ar-condicionado a um dia escaldante ao ar livre. Aliás estou aproveitando bastante os livros 😉 Que venha o outono! Amo🥰
“Toca aqui”, Simone!
Concordo com tudo o que escreveu e ainda acrescento que o clima de carnaval só piora tudo, para quem já passou dos 50 anos e não gosta da folia e mora em Salvador como eu! A cidade entupida, música ruim de manhã, de tarde e de noite, batucada em qualquer lugar da cidade, pessoas impacientes, mal educadas, tudo mais caro , e um carnaval que dura 10 dias…
Pense num calor úmido, “peguento”, onde a gente sai dos muitos banhos já suando e dá vontade de morar naqueles banheiros de restaurantes de alto padrão, bem limpos e com o ar condiconado turbinado!
Eu tenho uma teoria que ao longo da vida, alguma coisa muda no nosso corpo, mente, DNA, ou bom senso mesmo, além da menopausa, claro, porque não é possível lembrar que eu já gostei de ir pra praia ficar besuntada de rayito de sol, ou óleo johnsons misturado com semente de urucum, ou qualquer outra alquimia maluca dos anos 80, fritando no sol causticante, feliz da vida…
Será que independente do peso da balança ( melhor nem comentar sobre esse assunto sensível) , foi o peso da idade que se abateu sobre nós e descortinou o óbvio? Que ao invés de acampar na praia, é muito melhor ficar em casa curtindo uma musiquinha no ar condicionado do que se expor nesse calor horrível e desconfortável? Estou sonhando com o clima mais ameno, que por aqui ainda demora! Quando tudo o que se quer é paz, silêncio, uma temperatura amena e usar roupas confortáveis em casa !
Não sei como ainda existem pessoas do clube dos 50+ que ainda curtem calor, verão, areia grudada em tudo, estacionamento caro, pagar um absurdo apenas para se sentar numa barraca de praia, fora o consumo, além de estar arriscado a ser assaltado…
Si, texto engraçado e corajoso. Parabéns.
Eu vejo apenas uma vantagem no verão: o streetwear. Adoro saias e vestidos leves e longos, colares e tenho gostado de usar penteados presos.
No restante, tô contigo. Zero gosto para praia, areia, protetor solar, Sol queimando minha pele, suor. Amo um ambiente climatizado e o conforto que só as estações de temperatura intermediárias proporcionam. Confesso que não sou fã do frio, sorte que não tenho tido muitos dias de frio intenso em Santa Catarina. Se somar, acho que não chega a 15 dias de frio intenso (pra mim, frio intenso são 5 graus, pode rir), nos quais eu passo encarangada, acabrunhada e gelada (pés como uma pedra de gelo 10 minutos depois do banho quente e corrida para baixo do edredon noturno).
Das vantagens do verão, não esqueçamos também do chopp, espumante e vinhos branco e rosê, estupidamente gelados. E das saladas incrementadas e cheias de sabor.
Meu voto é para primavera e outono, desde que tenham temperaturas amenas, pois até isso tem mudado no clima. Cada vez mais, num ano, tenho 15 dias de frio intenso, 30 dias de temperaturas amenas e o restante de calor. Vamos investir em saias leves e longas, rss.
Você poderia anotar na sua lista de ideias para escrever um texto sobre a sua opinião sobre o inverno. Seria legal para contrapor ao texto de verão.
Beijo.
Eu também não sou fã do verão por conta do calor, mas estou metido nele o ano inteiro sem perspectiva de sair. Em Manaus a hora em que o sol nasce e se põe não conta muito, pois sempre amanhece a 30° sem chances de baixar. Costumo dar um rolezinho com os netos entre 6 e 8 da manhã e depois me recolho ao ar condicionado onde posso ler tranquilo e tentar escrever alguma coisa, mas é a vida, nada é perfeito.
Que venha o outono, com chás e chocolate quente, sem suor e um bom livro debaixo de cobertas! 😊