A guerra comercial que o Presidente Trump está promovendo contra o México, o Canadá e a China tem como pano de fundo a produção e importação do opioide fentanyl, a imigração ilegal e os superávits comerciais que estes países têm contra os EUA. Entretanto, os primeiros movimentos do governo Trump podem significar uma mudança maior nas relações dos EUA com o resto do mundo.
A Casa Branca argumenta que o fluxo ilegal de imigrantes e drogas criou uma emergência nacional, incluindo uma crise de saúde pública. O opioide fentanyl sozinho é responsável por mais de 70% das mortes por overdose nos EUA, e as principais fontes da droga são laboratórios de cartéis internacionais do tráfico de drogas estabelecidos no México e Canadá, e abastecidos por insumos químicos vindos da China. O eleitor americano votou massivamente no Presidente Trump pela sua promessa de resolver o problema de “fronteiras abertas” e a política tarifária visa alcançar este resultado.
Em 1º/02, o governo Trump impôs tarifas de 25% sobre bens importados do México e do Canadá, e um adicional de 10% sobre importação de produtos chineses, para força-los a cumprir suas promessas de cooperação para limitar imigração ilegal e combater o tráfico de drogas que inundam o mercado americano.
Em 03/02, o Presidente Trump anunciou que teve uma conversa franca e amigável com a Presidente Cláudia Sheinbaum do México, que aceitou mandar 10.000 soldados da Guarda Nacional à fronteira, para combater o tráfico de drogas. Em função disto, Trump confirmou que irá pausar o aumento de tarifas sobre importações de produtos mexicanos por um mês, quando sua administração negociará termos mais amplos com o governo do México.
No mesmo dia, o Primeiro Ministro canadense, Justin Trudeau, anunciou um plano de reforço de fronteiras, usando ações combinadas de forças canadenses e americanas para combater o crime organizado, fentanyl e lavagem de dinheiro, com custo estimado em US$1,3 bilhões. Em seguida, Trump anunciou que a elevação de tarifas contra o Canadá seria pausada também por trinta dias.
Ocorre que o governo Trump usou política tarifária contra seus vizinhos para alcançar objetivos de política doméstica, como segurança de fronteiras. Até agora parece estar sendo bem sucedido. Com a China, a história é algo diferente. O aumento de 10% de tarifas sobre importação de produtos chineses entrou em vigor na madrugada desta terça-feira, o que levou o governo chinês a retaliar com um plano de elevar tarifas sobre produtos americanos a partir da semana que vem.
Se a China realmente o fizer, estaremos possivelmente entrando em uma guerra comercial em grande escala entre os dois países, com prejuízos para ambas as partes. Hoje, 04/02, a presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, disse que, em relação a ameaças tarifárias dos EUA, a União Europeia busca plena parceria transatlântica, mas que tomará medidas necessárias para proteger os interesses europeus.
É sabido que tarifas de importações causam redução de bem-estar nos dois países, naquele que impõe as tarifas, pois eleva preços domésticos, e no outro pela perda de mercados. Ocorre que estes custos são assimétricos, isto é, eles incidem mais pesadamente no país pequeno e menos no país grande. Isto explica porque o México e o Canadá capitularam tão rapidamente e estão negociando com os americanos, enquanto a que China busca retaliação, o que irá aumentar as perdas para os dois países. O que a CE irá fazer em relação à ameaça americana ainda é uma incógnita.
O pano de fundo da estratégia americana, que visa preservar interesses nacionais, parece estar baseado na percepção de que estamos no fim da Pax Americana, quando os EUA, a potência hegemônica que emergiu no final da 2ª Guerra Mundial, mantinha outros impérios sob controle e limitava a criação de conflitos regionais. A eclosão destes conflitos nos últimos anos, como a guerra da Rússia contra a Ucrânia e do terrorismo árabe contra Israel, além das cada vez mais frequentes ameaças da China de invadir Taiwan e depois, possivelmente, o Japão, é um indício de que o poder americano está sendo contestado em inúmeras frentes. A estratégia do Trump, radicalmente distinta do fraco governo anterior, pode ser uma reação a esta nova configuração da geopolítica internacional.
O fato é que estamos em um mundo em rápida transformação e as principais características da Pax Americana, como globalização, ausência de guerras, prosperidade e ganhos de bem-estar para boa parte da população do mundo podem desaparecer com ela. O grande divisor de águas será a cultura política que irá predominar: se a de governos autoritários, com tolhimento da liberdade de expressão e violações de direitos individuais, ou a de sociedades com governos que prezam liberdade individual, protegem mercados competitivos e respeitam o estado de direito. Uma coisa é certa: o mundo que conhecemos acabou.
1 comentário
Professor, essa pax americana não teria o interesse direto da indústria de armas? Afinal, fazer guerra dá dinheiro. Aceitar a livre circulação de ideias, para os donos da razão, é muito difícil. O sentimento de superioridade é o grande inimigo da liberdade de expressão e aliado do autoritarismo. Trump tem pose de autoritário e políticas de liberdade. Parece um paradoxo. Um grande jogador. Muito interessante o artigo.