A crônica mostra, com primazia e com o jeito bem mineiro do Capitão Salviano, a evolução da amizade para ciúme e a do ciúme para a vingança.
Os filhotes de jandaia (cabeça de coco) que eu e minha irmã tiramos, a gata jantou eles. Já contei isso…
Menino costuma falar pelos cotovelos, daí nossa tristeza se espalhou pela redondeza.
Mansa, mansinha era a caturrita da vizinha. Ficava no ombro, comia na mão e até fazia cafuné.
– A gente devia de ter arrumado era um assim, falamos.
– Pois pode levar ela pra vocês, eu dou.
– A mãe não vai acreditar que a gente ganhou, vai mandar devolver e é capaz até de bater, pensando que pegamos escondido.
– Deixa por minha conta…
Dia seguinte ela em nossa casa: – Eu trouxe o periquito pros meninos, cansei desse bicho.
Pai mandou agradecer e brincou.
– Não quero estragar a alegria deles, mas acho que ela vai parar no bucho da gata cedo, cedo.
– Vamos dar a gata pros outros, falei.
– De jeito nenhum! E quem vai pegar os ratos, perguntou a mãe.
Criança acha solução pra tudo, embora nem sempre funcione.
– E se a gente prender a gata de dia, quando ela só fica dormindo e soltar de noite pra caçar?
– A primeira caça dela vai ser o periquito! Falou meu pai.
– A gente esconde o periquito de noite!
Em nossa cabeça, problema resolvido.
Deu certo por uns dias, mas a troca de presos cansou a gente rápido.
Ideia de gente grande costuma ser melhor e meu pai tinha algumas meio malucas, mas que às vezes davam certo.
– Traz aqui a gata e o periquito.
Ele passou a caturrita no focinho da gata e não aconteceu nada.
– Agora me dá o vidro de pimenta! Vou temperar o periquito pra ver se ela muda de ideia.
Minha mãe correu pra salvar o bichinho.
– Que isso, não ensina maldade pros meninos, não sô!
Era só brincadeira (será???).
A mãe sossegou e foi cuidar da obrigação. Ele lambuzou o rabo do periquito com pimenta, pegou a gata e passou as penas na língua dela. A bichana esperneou e miou feio. Meu pai pôs o periquito na frente dela e ameaçou passar as penas de novo, aí ela ficou doida. Ele soltou e ela saiu pela porta que nem corisco.
Três dias sem dar as caras (ou focinho?).
– Pai, será que a gata morreu?
– Morreu nada, hora que a fome apertar ela aparece, mas só vai entrar se não tiver periquito por perto.
Dito e feito. Dias depois chegou ressabiada, parou na porta e assuntou a cozinha. A caturrita cochilava no poleiro. Entrou com miado triste parecendo de fome ou de socorro. Ganhou a comida, engoliu e sumiu.
Voltou no dia seguinte e uma semana depois já era de casa outra vez, mas evitava o periquito como podia.
Uma manhã apareceu em cima do fogão com periquito enroscado na sua barriga. O medo tinha dado lugar à intimidade.
Nasceu uma Amizade…
Novo sumiço. Preocupação nenhuma, ela ia voltar e voltou, só que trazendo um gatinho pelo pescoço.
Fez do balaio de sabucos da minha mãe acender fogo a cama pro seu filhote. Saiu e daí a pouco entrou com mais um.
Mudança: bicho de pena no poleiro e família de pelo dormindo no balaio.
Os filhotes cresceram. A família mudou a cama pro rabo do fogão. O periquito achou que também tinha direito e foi chegando.
Pintou Ciúmes…
Os gatinhos não gostaram da invasão. Bicadas pra lá, patadas pra cá, as mamadas iam ficando difíceis. Em uma das disputas o periquito encantoou os filhotes. A cinza escondia as brasas do fogão e por ali os gatinhos tentaram escapar.
Subiu uma catinga de sapecado e os miados foram poucos. A gata nada pode fazer, só sentir o cheiro de churrasco.
Na manhã seguinte, penas verdes pela cozinha e em cima do fogão uma cabeça sem periquito.
Quem chegou a cavalo? – A Vingança…
3 Comentários
Com o predador não se brinca,
É sempre perigoso!
Excelente Texto Capitão !
Bom Parabéns!
Olá meu Amigo Salviano!
Bonito conto, estória triste; mas, a gente que é da roça, sabe que essas coisas acontecem. Leio tudo que você publica; estou aguardando um livro seu.
Abraços.
Concordo com o relator acima José Cláuver Aguiar. Escreva um livro. Suas crônicas são maravilhosas. Só que quem nasceu na Roça para entender a natureza das coisas.