Um dos mais belos textos sobre o nascimento de Jesus encontra-se nos Evangelhos Apócrifos. Antes de citá-lo, rápida explicação sobre os Evangelhos Apócrifos.
“Apócrifo”, literalmente, significa “oculto”, “secreto”. Com o tempo, passou a significar “sem autenticidade” ou “de autenticidade duvidosa”. Assim, os Evangelhos Apócrifos são considerados “sem autenticidade” ou “de autenticidade duvidosa”.
A Igreja Católica, no Concílio de Trento, realizado no ano 325, adotou os quatro Evangelhos, chamados “canônicos”, considerados de autoria de Mateus, Marcos, Lucas e João. Há dúvidas sobre se, exceto o de João, são de fato da autoria deles. Mas, eles se confirmam entre si, há passagens da vida de Cristo citadas em mais de um deles e os 4 Evangelhos foram considerados suficientes para evidenciar a imagem divina de Jesus Cristo. Os demais evangelhos, de diferentes autores, foram deixados de lado, considerados “apócrifos”.
Os Evangelhos Apócrifos não contêm heresias e nem ofensas à fé ou à pessoa de Cristo. Eles são fruto da tradição oral, muito forte na época de Cristo, a qual foi sendo compilada por escrito. Daí, as dúvidas quanto a sua autenticidade e autoria. Evidentemente a tradição oral é distorcida ao longo do tempo e poderia sofrer adaptações ou censuras para beneficiar uma ou outra seita.
Os Evangelhos Canônicos foram escritos em linguagem austera, direta, seca, objetiva, sem rebuscamento e com poucos adjetivos, porque simplesmente narram fatos sem que os autores emitam opinião (os adjetivos retratam a opinião de quem escreve). Já os Evangelhos Apócrifos têm maior liberdade na escrita, narram passagens emocionantes da vida de Cristo e são ricos de sentimentos.
A descrição do parto de Maria e do nascimento de Cristo, feita pelo próprio São José, é emocionante e plena de romantismo.
José conduzia Maria para Belém e, na metade do caminho, Maria diz: “Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à luz”. José procura uma caverna ou gruta para, como ele mesmo disse, “resguardar o pudor de Maria, pois estavam em campo aberto”. José encontra uma caverna, leva Maria para dentro dela e sai apressado à procura de uma parteira hebreia na região de Belém. Eis a descrição de São José:
“Eu, José, andei apressado e, de repente, não podia mais andar. Fiquei com medo, mas percebi que não sou o único, o mundo inteiro parece adormecido, enfeitiçado. Levantei os olhos para o espaço e pareceu-me como se o ar estivesse estremecido de assombro. Fixei a vista no firmamento e o encontrei estático. O vento não soprava mais, e as folhas das árvores estavam imóveis. Os pássaros também estavam imóveis. Dirigi meu olhar à terra e vi um recipiente no solo e uns trabalhadores em atitude de comer, com suas mãos nas vasilhas. Mas os que pareciam comer, na realidade, não mastigavam. Os que estavam em atitude de pegar a comida tampouco a tiravam da gamela. Finalmente, os que pareciam levar os manjares à boca não o faziam; ao contrário, tinham os olhos voltados para cima. Todos estavam imóveis.
Também havia umas ovelhas que estavam sendo tangidas por um pastor, mas não davam um passo; ao contrário, estavam paradas. O pastor levantou sua destra para bater-lhes com o cajado, mas sua mão parou no ar. Ao dirigir meu olhar para a corrente do rio, vi uns cabritinhos que punham no rio seus focinhos, mas não bebiam. O rio parou de correr.
Em uma palavra, todas as coisas, por um instante, estavam afastadas de seu curso normal. A vida havia parado.
Num instante, como no estalar de dedos, a vida retomou seu curso normal”
Este texto é esplêndido; difícil haver forma melhor de expressar o momento único do nascimento de Jesus, da vinda do céu sobre a Terra.
Foi como que uma cunha de eternidade sem tempo tivesse penetrado no tempo, para separar o tempo de antes de Cristo do tempo depois de Cristo. Houve um momento de eternidade sem tempo na Terra quando Jesus nasceu. Era a própria Eternidade, na pessoa de Jesus Cristo, que chegava à Terra.
A Eternidade em um momento. Um momento que trouxe a Eternidade.
1 comentário
Lindo texto ! Talvez tenha ocorrido algo do gênero – ao menos no imaginário cristão