O dilema dos prisioneiros é um jogo estratégico dos mais conhecidos e importantes de teoria dos jogos, por causa de suas vastas aplicações para situações que exigem tomada de decisão e que enfrentamos todos os dias.
Imagine que na Rússia de Stalin, um maestro de orquestra está no trem em direção a Moscou para reger um concerto. Ele revê a partitura do Concerto para Piano e Orquestra no. 1 de Tchaikovsky, quando é avistado por dois agentes da KGB que acreditam que a partitura na verdade é um código secreto para assassinar Stalin. Ele é preso e passa o primeiro dia na cadeia tentando explicar que o tal do código é apenas uma partitura de Tchaikovsky. Dois dias depois, um dos agentes retorna à cadeia e informa o maestro que o seu cúmplice foi capturado e preso em outra cadeia. “Seu comparsa, o tal de Tchaikovsky, também está sob interrogatório e já está confessando”, lhe diz o agente. O suspeito capturado, que não conhecia o maestro, era apenas um sujeito cuja única culpa era ter Tchaikovsky como sobrenome.
O agente da KGB explica ao maestro a situação. “Temos indícios (o código secreto e sua atitude suspeita) suficientes para condená-los. Se nenhum dos dois confessar, cada um pegará três anos num Gulag. Se você colaborar com a polícia e confessar e seu comparsa não, você pegará apenas um ano de detenção e ele vinte e cinco. Da mesma forma, se ele confessar e você não, ele pegará apenas um ano e você vinte e cinco. Se os dois confessarem, cada um pega 10 anos”. Como os dois prisioneiros não conseguem se comunicar para combinar (cooperar) o que fazer, cada um precisa tomar uma decisão, se confessa ou não, sem saber qual é a decisão do outro. O maestro, que não é bobo, começa a pensar a respeito. “A minha pena depende do que eu fizer e do que o pobre diabo que prenderam fizer. Se ele confessar o crime que não cometemos, eu pego 10 anos no Gulag se confessar e 25 anos se não confessar. Se ele confessar, então, para mim é melhor confessar também. Por outro lado, se ele não confessar, confessando eu pego só um ano, e se não confessar eu pego três. Neste caso, é melhor para mim confessar. Então, independentemente do que ele faça, para mim é sempre melhor confessar”. Ocorre que o tal do Tchaikovsky também não é bobo, faz a mesma análise, confessa um crime que nenhum dos dois cometeu e cada um deles pega dez anos num Gulag. Consta que quando chegou no Gulag, o maestro foi recebido por outros prisioneiros que lhe perguntaram qual o crime cometido e quantos anos pegou. “Não fiz nada e mesmo assim peguei 10 anos”, disse o maestro, quando alguém retrucou: “Estranho. Não fazer nada costumava dar 25 anos!”.
O dilema dos prisioneiros ajuda a entender várias situações sociais onde o resultado da interação entre pessoas não é o melhor possível para todas. O renomado economista Mancur Olson, em “A Lógica da Ação Coletiva”, escreveu que racionalidade individual não é fundamento suficiente para racionalidade coletiva, usando inúmeras situações de decisão que remetem ao dilema dos prisioneiros, onde cooperação leva a um melhor resultado para todos (que equivale ao maestro e o Tchaikovsky não confessarem), mas não é o obtido (onde os dois confessam).
Existem vários exemplos de dilemas dos prisioneiros na sociedade. Em negociações trabalhistas, quando ambas as partes são muito inflexíveis e não conseguem cooperar, criando impasses e soluções que são ruins para as partes. Outro grande dilema dos prisioneiros é conhecido por tragédia dos comuns, que é um conceito amplamente utilizado em economia e em ciências ambientais para explicar o uso excessivo de recursos naturais decorrente de acesso livre ou propriedade comum. Várias décadas atrás era muito comum a pesca em rios. Os cardumes de peixes inicialmente eram relativamente grandes, mas muitas pessoas pescando fazem com que os cardumes comecem a encolher. O dilema dos prisioneiros está presente aqui: como o peixe está ficando cada vez mais escasso, é individualmente racional para cada pescador continuar pescando (ele fica com o peixe, por menor que seja) em vez de parar por algum tempo, pois cada pescador sabe que é racional também para os outros continuar pescando. Desta forma, o resultado que ninguém deseja ocorre e os cardumes se extinguem rapidamente. A melhor solução, que é todo mundo parar de pescar por algum tempo, não é adotada por causa do acesso livre aos rios e aos peixes, que são propriedade comum. Se propriedade comum é a causa do dilema dos prisioneiros, uma solução criativa que preserva os cardumes e seu valor para a sociedade é a privatização do peixe, com os famosos pesque-e-pague. O proprietário do recurso tem todos os incentivos para manter os cardumes em um tamanho mínimo, pois ele lucra com isto. A privatização do recurso comum (o peixe do rio) consegue gerar o resultado que todo mundo prefere sem levar à extinção dos peixes porque o proprietário do recurso consegue controlar seu uso. A solução desta tragédia dos comuns com privatização do peixe, explica também por que vaca não corre o risco de extinção (pois é propriedade privada), mas as baleias correm este risco – é muito difícil privatizar e criar baleias, que nadam milhares de quilômetros nos oceanos ao longo de suas vidas e são, portanto, um recurso comum de acesso aberto. Neste caso, outras restrições de acesso são precisam ser criadas, como a proibição de sua pesca e acordos internacionais (o mesmo vale para a pesca de atum). Mesmo assim, estas outras restrições de acesso não são plenamente eficazes e os baleais continuam em número muito reduzido. Outros exemplos de tragédias dos comuns ou de dilemas ambientais dos prisioneiros são a garimpagem em terras indígenas e o desflorestamento na região amazônica, a poluição dos mares e o excesso de emissão de CO2.
Uma grande tragédia dos comuns no Brasil é o dilema político dos prisioneiros, que diz respeito aos gastos públicos e à necessidade de impor limites com regras orçamentárias como a lei de responsabilidade fiscal e o teto dos gastos. Imagine o Congresso Nacional como um grande lago, onde deputados e senadores são os pescadores, os peixes são fatias de recursos orçamentários e cabe à sociedade abastecer o lago com seus impostos. O incentivo individual de cada deputado ou senador é simples, ele deseja levar para casa o maior volume possível de recursos orçamentários para satisfazer os interesses de sua base eleitoral e cada um deles sabe que se poupar no uso deste recurso escasso a única consequência é que ele irá perder votos, mas os recursos serão gastos pelos outros de qualquer maneira. Os recursos orçamentários se esgotam rapidamente, levando a déficits crônicos e a sociedade é chamada para abastecer o lago com um volume de recursos cada vez maior. O problema é que a carga tributária maior para resolver esta tragédia dos comuns não é isenta de custos e representa um imposto sobre criação de riqueza na sociedade, de forma que se a carga crescer muito, sua base de sustentação pode rapidamente se extinguir também – uma tragédia dos comuns derivada de outra tragédia dos comuns! Como a privatização do orçamento público (quando existe um monopolista na alocação orçamentária, como um ditador ou planejador central) não é solução possível, outras regras que limitam o consumo excessivo do orçamento se fazem necessárias. O problema é que as soluções que estamos encontrando para este dilema político dos prisioneiros da questão fiscal estão longe de serem satisfatórias, ao se considerar, nas últimas décadas de instabilidade macroeconômica, os frequentes temores de descontrole fiscal e de volta da inflação.
É claro que existem soluções factíveis para o dilema dos prisioneiros e para a tragédia dos comuns. Todas elas dizem respeito a tornar cooperação estável, para que as partes envolvidas obtenham resultados melhores de suas interações. Teoria dos jogos tem contribuído bastante para tal e suas soluções tipicamente envolvem tornar o jogo repetido, de longo prazo, de forma que as partes possam desenvolver estratégias para forçar cooperação, como punição a trapaças e desenvolvimento de confiança e de reputação pessoal ou corporativa. No caso da tragédia dos comuns ambiental, as soluções tipicamente envolvem privatização dos recursos, regulação de governo ou, como mostrou a Nobel em Economia de 2009, Elinor Ostrom, o desenvolvimento de instituições de auto governança para comunidades envolvidas com o problema de exaustão de uso de recursos naturais.
A maior tragédia dos comuns aqui no Brasil é a nossa incapacidade crônica de proteger nosso maior bem comum, que é a vida próspera e pacífica em sociedade, onde as pessoas são livres para buscar a realização de seus objetivos de vida. O simples fato da existência de países mais prósperos, pacíficos e livres do que o Brasil é uma evidência de que é possível escapar deste dilema dos prisioneiros que tanto dificulta nossas vidas. A solução do nosso problema coletivo requer que mudemos crivelmente as regras (econômicas, jurídicas e sociais) que regem nosso comportamento em sociedade. Precisamos ter um foco de longo prazo para resolução de problemas e desenvolver uma estratégia de atuação compatível com este objetivo.