A questão dos limites da compaixão humana e da solidariedade social tem uma longa tradição nas ciências sociais. James Buchanan, prêmio Nobel de Economia, criou o termo dilema do samaritano para descrever aquela situação paradoxal em que ajudar, em vez de resolver um problema, acaba criando incentivos que o perpetuam.
Quase cinco décadas depois, o psicólogo evolucionário Gad Saad, autor do excelente livro “A mente parasita”, criou o conceito de empatia suicida, aplicado a contextos culturais e políticos em que a compaixão sem limites acaba fragilizando a própria sociedade que a pratica. Os dois conceitos dialogam diretamente quando pensamos em políticas públicas movidas pelo impulso de “ajudar incondicionalmente”, mas que geram efeitos destrutivos.
O dilema do samaritano aparece quando alguém benevolente, querendo reduzir o sofrimento alheio, oferece ajuda sem condições. Quem recebe, sabendo dessa disposição, pode diminuir o esforço em melhorar a própria situação, já que sabe que o auxílio virá de qualquer jeito. Assim, o que deveria ser um suporte temporário vira dependência permanente.
Para Buchanan, essa lógica mina a responsabilidade individual, incentiva comportamentos oportunistas e ameaça os fundamentos de uma sociedade de indivíduos livres e autônomos. No final das contas, a compaixão sem medida gera uma inversão de papéis: quem ajuda torna-se refém de quem recebe, preso ao dever moral de continuar ajudando, mesmo diante de abuso e exploração.
Buchanan faz um alerta importante: o problema fica assustador quando pensamos num contexto biológico mais geral. Uma espécie que se comporta de modo a encorajar cada vez mais seus próprios membros a viver de forma parasitária ou a explorar deliberadamente seus produtores vai enfrentar autodestruição em algum momento.
Uma forma de contornar esse dilema é vincular qualquer ajuda a uma regra clara estabelecendo que ela termine numa data específica. O beneficiário, mesmo recebendo a ajuda necessária hoje, ainda tem um forte incentivo para se tornar autossuficiente antes do prazo acabar. Se a ajuda terminar e o beneficiário ainda precisar dela, o samaritano pode se sentir mal a ponto de ignorar a regra que encerra a caridade. Para evitar essa tentação, Buchanan sugeriu desenvolver o que chamou de coragem estratégica: delegar a atividade de caridade a um agente com instruções claras sobre os limites da ajuda.
O conceito de empatia suicida de Gad Saad amplia esse mesmo dilema para o nível coletivo, usando argumentos de psicologia evolutiva. Ele descreve políticas ou atitudes sociais movidas por compaixão sem limites que acabam corroendo as bases institucionais e culturais da sociedade que as adota.
A empatia suicida destaca nossa incapacidade de tomar decisões ideais quando nosso sistema emocional é enganado por uma forma hiperativa e orgiástica de empatia direcionada aos alvos errados, como explica Gad Saad. Segundo o autor, imigrantes ilegais nos EUA acabam recebendo mais ajuda do governo americano do que veteranos americanos ou vítimas americanas de desastres naturais. Para ele, a evolução nos deu a capacidade de empregar nossos recursos estrategicamente.
Por isso é que pais estão dispostos a pular na frente de um ônibus para salvar seus filhos biológicos, mas são menos propensos a sacrificar suas vidas para salvar uma criança aleatória do outro lado do planeta. Isso não os torna insensíveis, mas sim seres capazes de fazer avaliações de custo-benefício enraizadas em características universais de nossa natureza humana.
A questão aqui é que, ao tentar acolher indiscriminadamente, o grupo hospedeiro fragiliza sua própria coesão e compromete os recursos que sustentam tanto os cidadãos quanto os recém-chegados. O problema da empatia suicida, portanto, não invoca a rejeição de compaixão, mas serve como alerta que ela precisa ser equilibrada com responsabilidade, prudência e justiça.
Esse dilema aparece claramente na discussão sobre livre imigração baseada na ideia simplória de que todos os imigrantes são refugiados precisando de ajuda incondicional. A visão humanitária parte da premissa de que abrir fronteiras e oferecer assistência ilimitada é uma obrigação moral dos países desenvolvidos. No curto prazo, esse gesto pode parecer nobre, mas gera incentivos perversos.
Por um lado, a ausência de critérios claros pode atrair não apenas refugiados genuínos, mas também pessoas que, percebendo a disposição irrestrita de acolhimento, passam a depender indefinidamente da assistência pública.
Por outro lado, para os governos receptores, uma política de portas abertas sem distinção entre quem busca proteção temporária e quem procura oportunidades pode sobrecarregar sistemas de bem-estar social, saúde e educação.
Por fim, para a sociedade local, a percepção de que recursos destinados a cidadãos são desviados para imigrantes pode gerar ressentimento, polarização e perda de confiança nas instituições.
Esse é o ponto onde o dilema do samaritano encontra a empatia suicida. Ao aplicar a lógica de ajuda ilimitada em escala nacional, a sociedade corre o risco de comprometer a coesão interna e a própria capacidade de continuar sendo um porto seguro. O ato de acolher, quando sem limites ou critérios, vira uma ameaça à sustentabilidade do sistema que possibilita o acolhimento.
Vale observar que nem Buchanan nem Saad defendem a indiferença diante do sofrimento humano. O ponto central de ambos é a necessidade de limites racionais. Ajudar pode ser virtuoso, mas precisa preservar a autonomia dos beneficiários e a estabilidade da comunidade que ajuda.
No caso da imigração, isso significa estabelecer políticas seletivas e sustentáveis que consigam distinguir refugiados em situação de emergência de imigrantes econômicos, que exijam contrapartidas de integração cultural, e que assegurem que a compaixão não se transforme em ressentimento ou desorganização social.
O dilema do samaritano e a empatia suicida são duas faces de um mesmo problema: como equilibrar compaixão com responsabilidade. Ambos mostram que a boa intenção, quando aplicada sem limites, pode ser contraproducente, criando dependência e corroendo os alicerces de uma sociedade livre.
No debate sobre imigração, a lição é clara: abrir fronteiras e oferecer ajuda incondicional pode satisfazer um impulso moral imediato, mas corre o risco de virar um ato de autossabotagem coletiva. O verdadeiro desafio ético é encontrar mecanismos que permitam ajudar sem se destruir, cultivando uma compaixão que não seja suicida, mas que fortaleça tanto quem ajuda quanto quem é ajudado.

3 Comentários
Muito interessante o artigo e as referências. O ponto do equilíbrio é a pergunta do milhão, porque política sem faz pensando no poder e para isso se olha a opinião pública, que pode ser cruel. Falta no homem a exaltação de valores, o orgulho de não depender de ninguém, de trabalhar mesmo doente, da honestidade. Esses valores se perderam, uma nobreza de alma. Única saída é reencontrar.
O dilema do samaritano ocorre, também, no campo pessoal, exigindo uma tomada de decisão, muitas das vezes parecendo cruel, porém necessária.
Excelente, como sempre, a explanação do Professor Ronald